Certa liberdade
Vinham em três. À porta da escola dissolveu-se o
grupo. As crianças penetraram por uma abertura na grade. Pularam para o
interior dos pátios e salas. Foram zunindo e gritando. Numa cavalgada forte.
Em seguida correu o ferrolho. As chaves uniram-se a
um canto da argola; balançando junto ao caminhar do inspetor.
Cá fora, a mãe. Aliviada. Sentou-se ao banco da
praça. Sacou um cigarro amassado e acendeu-o. Fez pensando no que iria fazer.
Tinha as próximas quatro horas da tarde. E devia fazer qualquer coisa, desde
que esquecesse completamente as crianças.
Naquele momento deixava de ter filhos. Toda
responsabilidade ficava agora com aqueles que estavam do lado de dentro das
grades, ajuizava.
Levantou-se e caminhou. Quando se achou longe
suficiente pensou em tomar um ônibus e ir à praia. Ou almoçar em um restaurante
caro. Lembrou-se do cinema. Quanto tempo não ia ao cinema. Pensou também em
procurar Amanda, sua prima, e declarar o quanto vivia bem, o quanto estava
satisfeita com a vida. Poderia ler numa paz sensual um romance picante. Poderia
suspirar pelo Passeio Público e paquerar. Porque agora era uma mulher solteira
e sem filhos.
Poderia tudo que quisesse, mas tinha apenas quatro
horas para escolher qual tudo faria.
As crianças estavam seguras. Ao longe se ouviam
seus gritos escandalosos.
Rafael Alvarenga
Resende, 31 de outubro de 2012
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