sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Certa liberdade


Certa liberdade

Vinham em três. À porta da escola dissolveu-se o grupo. As crianças penetraram por uma abertura na grade. Pularam para o interior dos pátios e salas. Foram zunindo e gritando. Numa cavalgada forte.

Em seguida correu o ferrolho. As chaves uniram-se a um canto da argola; balançando junto ao caminhar do inspetor.

Cá fora, a mãe. Aliviada. Sentou-se ao banco da praça. Sacou um cigarro amassado e acendeu-o. Fez pensando no que iria fazer. Tinha as próximas quatro horas da tarde. E devia fazer qualquer coisa, desde que esquecesse completamente as crianças.

Naquele momento deixava de ter filhos. Toda responsabilidade ficava agora com aqueles que estavam do lado de dentro das grades, ajuizava.

Levantou-se e caminhou. Quando se achou longe suficiente pensou em tomar um ônibus e ir à praia. Ou almoçar em um restaurante caro. Lembrou-se do cinema. Quanto tempo não ia ao cinema. Pensou também em procurar Amanda, sua prima, e declarar o quanto vivia bem, o quanto estava satisfeita com a vida. Poderia ler numa paz sensual um romance picante. Poderia suspirar pelo Passeio Público e paquerar. Porque agora era uma mulher solteira e sem filhos.

Poderia tudo que quisesse, mas tinha apenas quatro horas para escolher qual tudo faria.

As crianças estavam seguras. Ao longe se ouviam seus gritos escandalosos.

 

Rafael Alvarenga

Resende, 31 de outubro de 2012

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