sábado, 3 de novembro de 2012

Loucura congelada


Loucura congelada


Quanto mais nos trancam, tanto mais congelamos nossa loucura. Dentro de nós um Ártico oceano. Fora de nós um Antártico continente. E é inverno. Mas existe vida. Embora imobilizada sob os braços cristalinos do gelo.

Posso fechar os olhos. Afinal abri-los para paredes nuas e depiladas em nada excita. Bem poderia passar por aqui uma barata. Tal aquela que em tão profunda alucinação empurrou Clarice Lispector. Entretanto não há outro excesso senão o do asseamento.

Falta-me a mesa e a cadeira onde possa colocar-me e trabalhar. Que inveja dos homens que viveram em um quarto. E nele levantaram a tenda de uma casa inteira. Lembro-me do quadro onde Van Gogh representou seu quarto. Fosse o pintou ainda vivo e eu jamais lhe proporia por meu quarto num quadro. Pois tudo está fora dele. Até mesmo minha tristeza.

Falta-me coragem para declarar a dor que sinto diariamente nas costas. Mesmo assim, sorrindo, bato às portas apresentando-me esse escritor. Mas o chefe, sempre em reunião, não me pode receber. Trancam-me. E eu mal posso mostrar a crônica que acabei de escrever num guardanapo. Contenho-me. Agradeço. Sorrio. Congelo minha loucura.

Entra um vento por debaixo da porta. Não derruba nada. Por isso sobra. Depois morre duro. Igual. E inexpressivo tal qual a loucura que ainda não degelou.

 

 

Rafael Alvarenga

Niterói, 02 de novembro de 2012

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