Chão de apartamento
Hoje meu chão é de apartamento. E essa noite é intimamente
preta. Ao redor, aqui e acolá, alguma janela em luz. Uma luminância esvaecida. Porosa.
Derretendo-se na inclinação do facho. Nada se desnuda.
As janelas assentam-se na alvenaria infinita da
pedra só que é a escuridão. Essas janelas, pobres gárgulas desamparadas; fazem
bem em tentar dormir, já que é noite, já que tudo ignoram.
No meu chão de apartamento as janelas de vidro são
tão dilatadas que poderia referir-me a elas como paredes de vidro. E mais que
isso, poderia me aliviar pensando que se estivesse a viver no chão mesmo não
usufruiria do exotismo de paredes de vidro.
Aos poucos vou consolando-me. É que pisar longe do
chão me dá a sensação de animal na jaula.
Acaba de nascer mais uma janela. Embora eu tenha
certeza que todos estejam morrendo enquanto dormem. Tem uma luz azul. Mais prolongada.
Se ela apresentasse fôlego para correr um pouco mais faria curvas. Entretanto
não está bem alimentada. Por isso fica ali, no peitoral de mármore, mordiscando
migalhas de escuridão. Eu não a incomodo. Não tenho interesse algum em ser
iluminado.
Quero apenas sentar na noite. E dar a luz a crônica
do dia seguinte.
Rafael Alvarenga
Niterói, 28 de setembro de 2012