Solidão
A solidão não tem garganta. Nem cordas vocais. A
solidão não fala. A solidão não tem dedos nem unhas. A solidão não me agarra. A
solidão não tem pernas e pés. A solidão não anda ao meu lado. A solidão não tem
ovário. Nem espermatozoides. A solidão não se reproduz.
A solidão não tem proteínas e vitaminas. Nem
lipídeos e sais minerais. A solidão não alimenta. A solidão não tem nervo
ciático. Nem medula espinhal. A solidão não sente. A solidão não tem
evaporação. Nem formação de nuvens. A solidão não se precipita.
A solidão não tem giárdias. Nem lombrigas ou bactérias.
A solidão não adoece. A solidão não tem adição. Nem multiplicação. A solidão
não numera. A solidão não tem dias. Nem horas ou instantes. A solidão não tem
tempo.
A solidão não é uma coisa. Nem tem uma coisa. A
solidão é o nome do que é espaço vazio. Por isso, é através da solidão que
vemos tudo que passa. É através da solidão que inventamos tudo que pode passar.
Porque quando não há solidão, há algo. Uma existência a nos distrair de todo o
resto.
Mas a solidão não é exatamente fonte. A solidão não tem chafariz. Nem anjos e harpas.
A solidão não tem coração.
Rafael Alvarenga
Resende, 26 de setembro de 2012
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