terça-feira, 25 de setembro de 2012

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Pelo asfalto

Esse asfalto é como uma língua comprida. Ligando aqui e lá. Sabe de quem vai e de quem vem. Mas como endureceu de baixo de nosso passar cristaliza alheios segredos. Mas tudo tem um ponto de amolecimento. E há uma quentura de sol que empasta o negrume do piche. Ficam, em marcas, os redondos dos pneus. E suas dentições tão variadas. Lembram-me marcas de mordidas de predadores. Pois desfazem o couro da terra.
As rodas empurram a terra para trás a fim de seguirem para frente. No fim todos andam cada qual para onde vai.
Não há controvérsias, a velhice chega a tudo. O tempo é malha fina, diariamente remendada. Ao tempo em que não pode mais morder o chão o pneu é encostado a um muro sujo. É uma gengiva negra e banguela. Seus dentes todos apagados. E a nevralgia dos arames que malham o interior da borracha a saltar brilhante.
Mais um pouco adiante chove. O asfalto não tem poro. É uma crosta enrugada. Nada afeita a penetrações liquescentes. E por mais que o céu chore por horas a fio o asfalto não arreda. A água empoça. E depois escorre até uma vala.
No corpo negro do asfalto linhas e listras; traços e olhos de gato alumiando à noite a boca da curva. Abaixo os faróis e as papilas concretadas do asfalto sentem o gosto da luz.

Rafael alvarenga
Resende, 24 de setembro de 2012 

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