quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cão vagabundo


Cão vagabundo

Já crescida a manhã corria pelas ruas. Com um calor grosso. Um sol seco e poeirento.
Amarelo e transeunte era o cão. As unhas compridas e encardidas. O focinho velho. Tão metido já estivera em cercas e lixeiras. Seu uivo agudo é que era frio. Porque tudo quanto é agudo é frio.
Nos olhos aguados uma profundidade oceânica. No olhar escuro um vazio abissal. Desses onde até duvidamos haver alguma coisa viva, no entanto onde não nos atrevemos a mergulhar. Suportavam seus quartos as duas pilastras finas das pernas traseiras.
Às tantas da manhã correu um vento. Até então estava escondido no silêncio das folhas dos abricós. Antes que escorregasse no ar o cão deu inicio ao trote vagabundo.
As orelhas dobradas em si mesmas. Escondendo o labirinto por onde só o som conhece entrada e saída. A cauda enforcada. Sem função vital. Pronta a ser enterrada e esquecida.
E o cão, já disse, vagabundo. Leva sua tristeza magra e incorporada. Esconde na língua arranhada o sal do seu suor. Procura entre o aqui e o acolá a doçura de uma sobra, o refrescar de uma poça.
O amanhã lhe está sempre muito próximo. Entretanto como não tem pretensão de prevê-lo, vaga pelo agora. E abunda-se do que tiver.

Rafael Alvarenga
Resende, 06 de setembro de 2012

Um comentário:

  1. Belo crônica meu caro Rafael Alvarenga, rapaz,tô tão triste com a educação que às vezes fico parecido com um cão vagabundo, perdido nesse "sistema educacional" maludo...triste, lamentável!

    forte abraço

    c@urosa

    ResponderExcluir