Casa fechada
Fechei a porta e as cortinas. Ambas estão alagadas
por uma cor semelhante a das paredes. Sinto-me legitimamente fechado. Tudo é constante
aos olhos.
O ventilador dorme com os braços abertos. Esparrama-se
de cabeça para baixo. Eletrodoméstico da espécie dos morcegos. E as prateleiras
estacionam-se como vagões num pátio de manobras. Sua carga um bricabraque
erguido por cantoneiras negras e insensíveis. Nosso calendário marca dia
trinta. É daqueles cujas folhas, com o passar dos dias, giram sobre uma espiral
para esconderem-se no atrás. Cada dia uma folha. Girando sobre seu próprio eixo
como faz a terra. Amanhã serão duas folhas girando. Esse mês, dia trinta e um
não nascerá. O que é motivo suficiente para me fazer supersticioso.
Há dois pregos enfiados na parede. Suas cabeças são
negras e relutantes. Seus corpos fossilizados na argamassa anabolizada. Se
tiverem alguma vida, direi que eles passam ali uma vida inteira.
Abraça o interruptor uma nuvem de sujeira de mãos.
Do outro lado a marca de um armário que já viveu aqui. E traços a lápis de uma
caligrafia iniciante. A antiguidade da casa viu crianças; sabe de segredos. E
nunca esteve tão silenciosa. Porque a noite eu fico sozinho. E cubro as janelas
com as cortinas. Fica uma impressão de que a casa dorme. Assim como dorme um
carro quando coberto com uma capa que lhe garante formato.
A diferença é que a capa da casa é quem mora dentro
dela.
Rafael Alvarenga
Niterói, 30 de setembro de 2012
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