segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Casa Fechada


Casa fechada

Fechei a porta e as cortinas. Ambas estão alagadas por uma cor semelhante a das paredes. Sinto-me legitimamente fechado. Tudo é constante aos olhos.

O ventilador dorme com os braços abertos. Esparrama-se de cabeça para baixo. Eletrodoméstico da espécie dos morcegos. E as prateleiras estacionam-se como vagões num pátio de manobras. Sua carga um bricabraque erguido por cantoneiras negras e insensíveis. Nosso calendário marca dia trinta. É daqueles cujas folhas, com o passar dos dias, giram sobre uma espiral para esconderem-se no atrás. Cada dia uma folha. Girando sobre seu próprio eixo como faz a terra. Amanhã serão duas folhas girando. Esse mês, dia trinta e um não nascerá. O que é motivo suficiente para me fazer supersticioso.

Há dois pregos enfiados na parede. Suas cabeças são negras e relutantes. Seus corpos fossilizados na argamassa anabolizada. Se tiverem alguma vida, direi que eles passam ali uma vida inteira.

Abraça o interruptor uma nuvem de sujeira de mãos. Do outro lado a marca de um armário que já viveu aqui. E traços a lápis de uma caligrafia iniciante. A antiguidade da casa viu crianças; sabe de segredos. E nunca esteve tão silenciosa. Porque a noite eu fico sozinho. E cubro as janelas com as cortinas. Fica uma impressão de que a casa dorme. Assim como dorme um carro quando coberto com uma capa que lhe garante formato.

A diferença é que a capa da casa é quem mora dentro dela.

 

Rafael Alvarenga

Niterói, 30 de setembro de 2012

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