Caroço de laranja
Pela janela cuspo caroços de laranja. Vão a terra
umedecidos pela saliva membranosa. Não é apropriado pô-los no lixo. Pois, são
vida, não lixo. São outras laranjeiras em flores e frutos.
Entretanto aqui se juntaram algumas casas. E como para
o consenso vila é coisa antiquada chamam de condomínio. Esse rapaz de azul é o
jardineiro. Segue as normas. É bom funcionário. Poda tudo. Varre tudo. Limpa
tudo. Antes que eu acorde ele já retirou os caroços de laranja do canteiro logo
abaixo de minha janela. Não o pergunto absolutamente nada sobre isso. Sei; o
condomínio não permite aos moradores possuir uma laranjeira à janela. Afinal,
argumentaria o síndico, se cada morador resolvesse plantar uma árvore sob a
janela como ficaríamos? Aqui laranjeira, ali aceroleira, acolá pitangueira. Perder-se-ia
o padrão estético do condomínio.
Em minhas mãos vai, mordida a mordida, diminuindo-se
as frações da laranja. Pelas nervuras vegetais escorrem lágrimas amarelas.
Todavia não adianta. Não é a graça das folhas secas na calçada; não são as
flores perfumadas; não são os pássaros cantando em algazarra pela manhã; não
são as sombras ou as frutas que lhes incomoda. É que as regras não permitem que
se mude o padrão estético do condomínio.
Resta um último caroço. Cuspo-o na palma da mão. Em
seguida lanço-o. Talvez, para além dos muros, haja permissão estética para
brotar.
Rafael Alvarenga
Resende, 08 de outubro de 2012
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