sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O pombo e o bêbado



O pombo e o bêbado
As lojas todas fechadas. E a rua em chão de areia. Em virtude do início das obras ditas de melhorias. O pombo lá, cosendo ninho com as unhas. Juntando grão de areia como fossem paetês. Mas no chão não se põem ovos. As corujas é que se aproveitam dos comentários sobre o exotismo místico de seu corpo. Acalentam seus embriões em buracos no chão. E fingem amaldiçoar quem se aproxima.
O pombo insistente. Acorujado no chão. Em frente à cortina de ferro arriada de uma loja de sapatos. Amanhã bem cedo um quarenta e dois bico largo lhe chutará a cloaca. Mocacins marrons morderão a areia seca. Leves sandálias femininas de números pequenos e delicados lhes pisariam os ovos.
Talvez estivesse à beira da morte. Por isso pretendesse procriar a qualquer custo. E se os filhotes não vingassem que teria a ver com isso? Não podia era morrer antes mesmo de reproduzir. Pois era essa a principal morte: não deixar vida.
Veio um bêbado. Entrou pela rua. No desencontro das pernas deu-se com o pombo. Como sentia-se no direito de qualquer coisa, até de ser feliz sem motivo, perguntou a ave o que fazia ali. Não obteve resposta. Entretanto continuou perguntando e respondendo. Com uma voz enrolada. Uma preguiça pesada. Afundou-se na areia. E roncou tudo que o pombo não arrulhava.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 15 de outubro de 2012

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