
O pombo insistente. Acorujado no chão. Em frente à cortina de ferro arriada de uma loja de sapatos. Amanhã bem cedo um quarenta e dois bico largo lhe chutará a cloaca. Mocacins marrons morderão a areia seca. Leves sandálias femininas de números pequenos e delicados lhes pisariam os ovos.
Talvez estivesse à beira da morte. Por isso pretendesse procriar a qualquer custo. E se os filhotes não vingassem que teria a ver com isso? Não podia era morrer antes mesmo de reproduzir. Pois era essa a principal morte: não deixar vida.
Veio um bêbado. Entrou pela rua. No desencontro das pernas deu-se com o pombo. Como sentia-se no direito de qualquer coisa, até de ser feliz sem motivo, perguntou a ave o que fazia ali. Não obteve resposta. Entretanto continuou perguntando e respondendo. Com uma voz enrolada. Uma preguiça pesada. Afundou-se na areia. E roncou tudo que o pombo não arrulhava.
Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 15 de outubro de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário