Vida d’outro
Da vida que tem, cada um é quem devia saber. Mas não sabe. É que a
vida alheia é mais fácil. Não de ser vivida, sim de ser sabida. Aí
é tanto formato de opinião, com tantos lados e ângulos que a
geometria dos poliedros nem espia. Então a ciência passa longe. E é
a gente toda quem vai pensando saber.
E a vida tem real; tem ilusão. De minha janela vejo o homem que
trabalha na torre desativada. Antes cuspia fumaça. Dando sinal da
vitalidade da fábrica. Agora o homem pinta de vermelho cada
tijolinho morto. É a vida dele. Vai subindo pela corda. Um balde de
esmalte à mão. Trata a chaminé como a manicure da unha. É a vida
dele. Ele sobe e desce procurando defeito no obelisco circular. Todo
dia. É essa sua vida. E os outros olham e falam. Falam de tudo.
Porque é exótica, perigosa, insignificante. Veem de tudo. O salário
miserável, o esforço brutal, a iminência da queda, a maravilha da
vista privilegiada, a adrenalina borbulhante da altura, a coragem
altiva, o suor luminoso.
Da vida que tem, cada um é quem devia saber. Mas não sabe. É que a
vida alheia é mais fácil. Não de ser vivida, sim de ser sabida.
Quanta cor de opinião para esses ouvidos monocromáticos. E ninguém
fala branco; ninguém fala preto.
Rafael Alvarenga
Resende, 08 de outubro de 2012
Pois é meu caro Rafael, essa vida d'outro deve ser mesmo mais "fácil" de ser vivida, quem sabe traz menos desilusão? Quem saberá?Quem saberá?
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