segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Por um pedaço de Pessoa

Por um pedaço de Pessoa

Ele lia um bruto volume de história do pensamento. Era mestre. Sentava-se em cátedra. E sua produção intelectual acompanhava códigos austeros. Exigia um silêncio sem esperança de vida. Bem como coibia sorrisos. É que aprender haveria sempre de doer.
As páginas que custosamente revolvia tinham o fino da seda. Sobre elas a carga de uma filosofia que apenas pudera ser abstrata. Fosse concreta e nenhum de nós a carregaríamos na cabeça ou nas mãos tal o chumbo sentido.
Chegou a menina. Poucos anos de adolescência. Toda atrevimento e distração. Sentou-se em frente dEle. Em mãos um Fernando Pessoa. Lia com os cantos da boca fundeados em sorrisos. Balançava com as rimas. Porém, ás vezes, punha os pés no chão tal a altura do balançar de um poema.
Após, balbuciava uma estrofe cantada ou exclamada! Ele não penetrava mais nas páginas de chumbo do livro de seda. O pensamento da história desligava seus neurotransmissores.
Invocada ela sacou o telefone. Ali era terminantemente proibido o uso desses aparelhos. Sorria e seus dentes ganhavam cada vez mais em tamanho. Digitava e olhava para o livro. Copiava a poesia, ele viu. Ela pôs o pé sobre a cadeira almofadada da biblioteca. Abusada! Em plena adolescência da vida lendo Fernando Pessoa e rindo e pisando na cátedra.
Ele não disse nada. Que maravilha devia ser receber, no meio da manhã, um pedaço de poesia do Pessoa. Ele não disse nada.

Rafael Alvarenga
Resende, 17 de outubro de 2012

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