Desjejum e pássaros
Escrevo sobre os farelos do desjejum. Ajeito uma espécie
de canto. O qual desejo que assobie como poesia. Não uso caneta ou lápis.
Trabalho com teclas. E lanço mão de três dedos em cada ponta de braço. É que
sou meio apassarinhado.
Os pássaros estão à porta. Reclamam sem decoro
essas cambaxirras! Choram lágrimas de crocodilo esses sabiás! Quem os ouve crê
que lhes cometi alguma violência. Os beija-flores deitam os pés no chão.
Entretanto, de forma alguma desligam as hélices. Seu corpo se move e muda de cor
e forma. São hologramas alados. Para cada fração de movimento novidades
relativas à cor. Em cada pena cabe o inteiro de um desenho exclusivo. Mas o
ângulo necessário para vê-lo é obtuso. Ali está o segredo do bicho. O
beija-flor gira em alta rotação. E na roleta russa de sua própria vida duvida
de quem seja capaz de sentir a existência numa fração de segundos.
Tirei a toalha da mesa. Dobrei-a como se carregasse
uma trouxa. Pisei no chão caraquento da calçada. Esperei o vento. Então soltei
duas das pontas do tecido e esvoacei minha bandeira branca. Os farelos do
desjejum mergulharam no frio sem sol da manhã. A infantaria dos pássaros
avançou muda. Mesmo depois de tantas manhãs não me confiavam a ponto de crer-me
amigo; de crer-me sempre fiel e apreciador.
Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 13 de outubro de 2012
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