terça-feira, 16 de outubro de 2012

Desjejum e pássaros


Desjejum e pássaros

Escrevo sobre os farelos do desjejum. Ajeito uma espécie de canto. O qual desejo que assobie como poesia. Não uso caneta ou lápis. Trabalho com teclas. E lanço mão de três dedos em cada ponta de braço. É que sou meio apassarinhado.
Os pássaros estão à porta. Reclamam sem decoro essas cambaxirras! Choram lágrimas de crocodilo esses sabiás! Quem os ouve crê que lhes cometi alguma violência. Os beija-flores deitam os pés no chão. Entretanto, de forma alguma desligam as hélices. Seu corpo se move e muda de cor e forma. São hologramas alados. Para cada fração de movimento novidades relativas à cor. Em cada pena cabe o inteiro de um desenho exclusivo. Mas o ângulo necessário para vê-lo é obtuso. Ali está o segredo do bicho. O beija-flor gira em alta rotação. E na roleta russa de sua própria vida duvida de quem seja capaz de sentir a existência numa fração de segundos.
Tirei a toalha da mesa. Dobrei-a como se carregasse uma trouxa. Pisei no chão caraquento da calçada. Esperei o vento. Então soltei duas das pontas do tecido e esvoacei minha bandeira branca. Os farelos do desjejum mergulharam no frio sem sol da manhã. A infantaria dos pássaros avançou muda. Mesmo depois de tantas manhãs não me confiavam a ponto de crer-me amigo; de crer-me sempre fiel e apreciador.

Rafael Alvarenga
Cabo Frio, 13 de outubro de 2012

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